A ausência daqueles que nos amam...


Em Julho do ano passado, tendo recebido como oferta um livro de cânticos para a celebração das exéquias, gracejei com um padre amigo meu dizendo-lhe que esperava que aquele fosse o livro com mais pó na minha biblioteca...

Há coisas que não acontecem por acaso e por vezes basta-nos estar atentos aos sinais.

Passado um mês do dia em que recebi esse livro, faleceu o bispo emérito de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade. Primeira vez em que usamos o livro, retirando dele todos os salmos e cânticos próprios da liturgia das exéquias. Era mera coincidência, mas não parecia.

Poucos meses passaram e em Novembro desse mesmo ano o dia dos Fiéis Defuntos calha ao Domingo. Então toda a romaria aos cemitérios é transferida para este dia, já que apenas por conveniência as pessoas aproveitam, erradamente, o feriado de Todos os Santos para cumprir essa mesma tradição.

Foi neste propósito que ocupei o meu dia participando nas três missas próprias do dia e, com cânticos e salmos próprios retirados daquele famigerado livro, levei comigo alguns membros dos coros a participar também.

Nessa altura coloquei aqui um post contando essa experiência e a transformação que operou em mim e na minha forma de encarar os cemitérios e os funerais.

Mas há acontecimentos que mudam a nossa vida, que deixam cair por terra anos de experiência, profundas convicções que julgamos não se alterarem.

Nos primeiros meses deste ano deu glória a Deus uma pessoa muito querida para mim... Pese embora saber que a infinita misericórdia de Deus o agraceou com o fim do sofrimento que a sua já débil saúde o fazia passar, despedir-me dele foi das coisas mais difíceis pelo que já passei.

Foi a consciência de que podia ter estado tantas vezes mais com ele. Tantas vezes podia ter feito esperar alguém com quem terei imensas oportunidades de estar, podia ter deixado por fazer algo que simplesmente me dava um pouco mais de trabalho mais tarde... podia... podia porque o tempo é-nos dado para isso mesmo para podemos fazer dele o que bem entendemos e temos a tendência de o gerir sempre da pior forma possível... podia... podia, claro que podia. Mais do que isso, era um prazer ter estado mais tempo com ele, conversar muito mais tardes, aprender tanto mais sobre uma vida cheia de experiências e ouvir alguém que falava com uma mensagem tão actual e tão presente nos dias que correm.

Ele não partiu da minha vida, do meu coração, nem tão pouco o sinto mais longe. Mas agora não posso mais do que imaginar as nossas conversas e os seus provérbios e cantigas tão sempre apropriados à situação.

Agora não o posso ouvir dizer: " - não chores - " como tantas vezes dizia a quem por ele passava aflito com alguma coisa... e talvez por isso tenha chorado... sim... não porque precisasse de ser consolado... mas simplesmente e talvez para que uma última vez a voz dele se fizesse ouvir dentro de mim e se ouvisse: " - não chores, rapaz - ".

Eu sei que para ele fui como um neto, e para mim foi realmente mais próximo do que qualquer um dos avós que tive.

Um dia quando Deus quiser e me reencontrar com ele só quero dar-lhe aquele abraço... aquele último abraço que nunca lhe cheguei a dar...

Até lá, restam-me as recordações e a certeza de que não deixarei que se esqueça a sua memória nem deixarei cair aquilo que ele segurou com tantas preocupações e tantas arrelias, todas aquelas que quis retirar-lhe das costas para que pudesse finalmente aproveitar alguns anos de acalmia e pudesse saborear alguns anos de prosperidade.

Até sempre meu amigo!

Comentários

Anónimo disse…
... não deves lamentar o tempo perdido, ... a vida é feita de escolhas ...e todos os dias temos de optar entre ficar em casa ou ir trabalhar,... e estas geram outras opções... nem sempre fazemos a escolha certa ou pelo menos achamos que não, ... mas foi a decisão que tomamos no momento em que tinhamos de optar e achamos que era a opção certa senão não a tomariamos tomado...
... são insódáveis os designios de Deus e ele sempre nos coloca no caminho de alguém que precisa de nós,... talvez o tenha acontecido em algum desses teus momentos ...
... lembra-te apenas de que para ele terminou o sofrimento,...
quanto a ti tenho a certeza de ele te ensinou tudo quanto precisavas saber para seguir em frente... senão Deus não o teria levado para sempre!...,
... beijinho

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